quarta-feira, 21 de julho de 2010

Vontades espelhadas, verdades mostradas

Ele acordou de uma noite mal dormida. Aquele tipo de sonho que confunde a cabeça de todos, fazendo-os pensar se era isso ou a mais pura realidade, havia o pegado nesta madrugada.
O sonho não é tão importante. Ainda.
Cansado, se arrastou até o banheiro. Urinou de olhos fechados e só os abriu na frente do espelho. Viu seu reflexo e ameaçou-o com uma levantada de sombrancelha desafiadora. O reflexo fez o mesmo.
Ele continuou brincando com o reflexo durante alguns minutos.
Cansou e foi escovar os dentes. O reflexo fez o mesmo.
E percebeu que mesmo quando o movimento não era em direção ao espelho, o reflexo imitava o gesto, mesmo assim.
Resolveu testar.
Ele iria ficar o dia inteiro na frente do espelho, agindo normalmente.
Seus olhos estavam vermelhos e sua pupila dilatada.
Olhou como se estivesse olhando para uma menina.
Tomou um enorme susto.
Sentiu repulsa de seu próprio rosto.
Era ridículo.
Ele parecia a pessoa mais horrorosa que ele jamais havia visto.
Era mesquinho, machista, vulgar e nojento.
Continuou a olhar.
Deitou-se no chão frio e levou o espelho consigo deixando os braços estendidos, mirando sua cabeça recostada.
Olhou como se olhasse para as estrelas.
Outro susto.
Seu olhar parecia oco, fraco, nulo.
De novo, uma face monstruosa.
Parecia pedinte, sofredor, ele olhava pro céu desejando tudo, sugando tudo, como se quisesse o universo para si próprio.
Olhou pro lado e levantou.
Posicionou o espelho atrás de sua cabeça e tentou olhá-lo por cima dos ombros.
O frio subitamente lhe tomou o intimo.
O reflexo não era mais ele.
Não parecia nem um pouco com a imagem que ele sempre teve de si próprio.
Botou o espelho no lugar e olhou normalmente.
No reflexo havia desaparecido qualquer semelhança com a pessoa que entrou no banheiro sonolenta.
Virou as costas pro espelho.
Abriu a porta.
Caminhou até a cozinha, deu um abraço na sua mãe, imaginando como sua própria expressão deveria estar intragável, desviou o olhar dela e a girou de forma que fosse possível para ele pegar uma faca de serra sem ela perceber.
Enfiou a faca no bolso e cessou o abraço.
Deu um beijo na face dela e voltou lentamente ao banheiro, segurando suas próprias pernas para não correr.
Abriu a porta viu o reflexo horrendo.
Tirou a faca serrilhada do bolso e, olhando fixamente para o espelho, enfiou-a bem no lado esquerdo do peito.
Sua última visão foi seu rosto.
E naquele momento ele viu sua verdadeira face e sorriu, antes de morrer.
Seu último pensamento foi o sonho da noite anterior: uma orgia, com 5 meninas, todas totalmente submissas a ele, acontecendo no seu quarto, enquanto sua mãe dormia no quarto ao lado.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Saudades (ou Porque você insiste em músicas antigas?)

Se escrevo uma música de amor inspirada num lindo relacionamento com A...
Se o relacionamento termina, ou A morre, a música ainda é válida?

Se escrevo uma música falando sobre hábitos, costumes e rotina de B...
Se B muda sua vida e explode a rotina todos os dias, a música ainda é válida?

Se componho uma música com graves vindos da voz de C, solinhos doces como o toque das mãoes de C...
Se C me fala que não vai me tocar mais, a música ainda é válida?

terça-feira, 13 de julho de 2010

O ar e a íris

Sentado no ar, preferiu pisar no chão e olhar pra frente, para onde o seu corpo apontava.
Horizonte amarelo e seu sorriso ainda coloria.
E o ar? Arco. Íris.
Seu olho brilhou e esperou olhares brilhantes.
Os outros preferem falar. E ele não consegue desperdiçar este poder.
Palavras são fartas, mas o que sai de tão abundante parece, sempre, vazio.
Rostos sem novos medos.
Esperando sempre e não expressando o que guarda-se atrás do, agora escuro, olhar.

Cinza Escuro

Sobre o ódio, posso dizer que é necessário.
O resto, importa para alguns.
Hoje, ele me olhou com paixão.
Paixão controvertida, inversa.
Ele queria meu sangue.
Queria meu resto.
Ele sonhou com uma nuvem e viu ela ficar cinza, maior e cheia de água. Ódio celeste.
Ele precisava chover, como a nuvem carregada.
Seu sentimento precisava cair, chover.
Não suportava mais segurar nada dentro de si.
E ele resolveu chover em mim, descarregou sua angústia e depois sorriu.
Ele se completou e descarregou todo cinza, chuva e ódio em mim.
Sobre ele, posso dizer que seu coração estava tão cheio, que não conseguia apenas chorar.

sábado, 3 de julho de 2010

3

Eles se tocavam como amigos.
E se desejavam como amantes.
Suavam e conversavam.
Ele conhecia ela de um sonho.
Ela conhecia a outra, que foi apresentada a este, que se apaixonou por mais de um amor.
Três.
Talvez o número mais completo e aberto que existe.
3.
E três lados sempre se atraem por pequenos ângulos em comum.
Como num triângulo.
E era fato ver que nada podia ser mais sincero que aquilo.
E que nenhum pensamento triste, vulgar, pequeno, banal, egoísta e dependente poderia tirar glamour e amor dos momentos que viviam juntos. Os três juntos, ele e ela, ela e ela, nós, vós, eles...
Cumplicidade e liberdade eram cheiros que exalavam de seus corpos crus, quando juntos. Ou quando próximos, em pensamentos.
Faziam questão de não notar aquilo com outros olhos, que não os deles próprios.
Uma vida a três.
E sem portas impedindo a passagem de novos ares por entre os três.
Se encontravam e aquilo soava a festa, tesão, felicidade, desejo, vontade, toques de peles suaves e dois ou mais tipos de perfumes.
Era lindo.
O amor, como prova de não prisão.
O amor como ele deve ser, solto, incondicional. Sem nenhuma condição para se tornar um amor verdadeiro e, às vezes, instantâneo.
E eles podiam ver o outro, se deliciar com o gozo alheio.
Novas formas de se ter prazer.
Era esta uma das linhas que guiavam suas vidas, mesmo sem eles perceberem: procurar pela vida, em baixo de qualquer pedra, em cima de qualquer nuvem, uma sensação, satisfação absoluta. Sem rodeios, sem medidas, sem prazos. Só vontades premiadas.
E eles podiam provar mais de um gozo.
Podiam sentir mais, bem mais de apenas um desejo por vez.
Eles sonhavam e se encontravam vivendo exatamente o que tinham desejado.
Um dia eles se mudaram para longe.
Pois este é um país de loucos que se ofendem com beijos, amores e seios descobertos.
Eles precisavam de mais espaço.
Eles não conseguiam pensar apenas no seu próprio deleite.
Eles se deleitavam em provocar deleites.
E dois talvez fosse muito pouco pra tantos dias...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ar

Como se cada minuto fosse vivido como o último.
Suas entranhas fervem e te comem por dentro.
Todo ato é seu último.
E todo respirar...
Se cessa.
E a cada expirar sai de dentro todo o ar velho e cheio de vida de um minuto, vivido com toda força, ao menos por seu corpo.
E o pulmão te pede o ar de outro.