quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Noite, febre, luta

Gostava de agir sempre assim, saia de casa sem olhar para trás e às vezes esquecia até de trancar a porta.
Preferia se livrar logo do mofo de estar num mesmo lugar sempre.
Não entendia a lógica de se ter um telefone fixo, já que nunca quis passar tempo bastante em casa para ser encontrado lá.
Preferia ser acordado de manhã com uma batida forte e quase decidida em sua porta, lhe chamando para fora, para brincar ou beijar.
E isso ele sempre desejou, beijos roubados ao léo.
Ou, pedidos com carinho suficiente para lhe fazer se sentir importante para alguém por, pelo menos, alguns momentos.
À noite, ele sempre procurava o lugar que fizesse mais frio.
Gostava de estar no frio para sentir a necessidade de um corpo quente por perto, e poder desejar aquilo sinceramente com toda sua vontade.
E sentia sempre um frio na barriga ao ouvir frases como 'amanhã não existe', ou 'te amo de amor'.
E não por acaso (pois o acaso deixa de existir quando se percebe que não existe realmente um deus, ou alguém mais superior do que ele próprio nas suas decisões diárias), ele gostava de olhar pros dois lados da rua, e da vida.
Gostava de saber exatamente onde pararia seu impulso puro e livre de simplesmente deixar acontecer. E por isso pensava demais e gostava de analisar minuciosamente todas as possibilidades.
Não que isso lhe ajudasse muito a tomar as decisões importantes, de fato.
Mas o livrava de um dos maiores males que já lhe ocorreram, o arrependimento.
Preferia soltar suas próprias frases de efeito, com sinceridade suficiente para convencer qualquer um que ele tinha, no mínimo, personalidade.
Olhava pros outros com o maior desprezo do mundo, pois a maioria das pessoas que via na rua, pareciam, sempre objetos abduzidos de um outro planeta, o 'planeta-bolha', onde usavam bolhas auto-sustentáveis para se proteger, se escondendo.
E desprezava o medo.
Desprezava 'conceitos-prisão', aqueles que o fazia se sentir impelido a cumprir, sem nem entender porque, pelo simples fato de ter apreendido isso, visto isso, vivido isso, pelo simples fato de existir a palavra normal.
Ele desprezava a normalidade e a ordinariedade de não poder experimentar algo considerado fora do comum.
Sabia e conseguia ver realmente a beleza de tudo, inclusive e principalmente da morte e do fim.
Mas mesmo assim, toda noite ele sentia falta de coisas que lhe ensinaram a gostar.
E preferia, mesmo adoentado, sair na rua e lutar, brigar, discutir, falar e ousar defender idéias que ele sabia não serem simples e de fácil assimilação pelos outros.
Ordinários, como ele e toda sua biologia e geneticidade, já comum e quase idêntica ao do outro que se encontra ao seu lado.
Mas gostava do frio, mesmo quando só, pois lhe fazia entender melhor o que realmente queria, e isso ele nunca conseguiu explicar.

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