quinta-feira, 24 de março de 2011

Um dia na vida dela

Todo dia ela acordava com um pulo.
Ligava seu ipod encaixado numa caixinha de som.
E dançava desajeitadamente.
Trajava uma camisola amerelo claro, com um passarinho estampado.
Ia rebolando em direção ao banheiro.
Lavava o rosto, pegava seus óculos de hastes pretas na pia.
E ao encarar o espelho através das lentes, percebia haver algumas gotas de água.
Limpava-o na barra da camisola e sorria timidamente ao pôr os óculos de novo e se olhar, descabelada, no reflexo.
Despia a camisola e cobria com as mãos magras, seus pequenos seios.
Nunca se olhava nua, no espelho.
Tomava um banho quente, bem quente e simulava se tocar, apesar de nunca ter tido coragem de excitar seu próprio corpo até o gozo.
Tomava banho de óculos. Pois sem óculos, se sentia mais nua ainda.
Ao sair, se enxugava no banheiro e se trocava no quarto, onde podia continuar ouvindo as músicas que saiam de seu mp3, quase sempre doces e suaves.
Deixava deslizar pelo seu corpo, um vestidinho, com uma textura muito fina, daqueles que não se pode passar à ferro, com uma estampa de flores, que havia ganho da sua avó alguns anos atrás.
Prendia seu encaracolado cabelo num coque bem seguro, no topo da cabeça e deixava uma ou duas mexas cairem, parecendo pequenas molinhas.
Arrumava sua mochila, decorada com desenhos singelos e japoneses.
Dentro iria seu caderno, com capa cheia de flores, suas canetas coloridas e perfumadas.
E sempre deixava por último, o que considerava principal, seu estilete.
Ela sempre imaginava estar mais protegida por ter um estilete na mochila.
Nunca usou-o e nem saberia se conseguiria fazê-lo ao precisar.
Mas se sentia mais segura com ele.
Na tela do PC, ligado desde o dia anterior, conferia os downloads de séries e animes que havia deixado baixando, limpou a lista de downloads e pôs mais alguns para baixar.
Desceu as escadas e foi tomar seu, sempre desejado, copo de café puro.
Escovava os dentes com um cuidado excepcional, sempre pensava que aquele menino que a encatava, na escola, iria olhar, falar e beijar ela neste dia, mesmo ele nunca tendo nem notado sua presença.
Saia pela rua, andando por um clima ameno, com árvores floridas, a sombra delas, poucos carros, e folhas secas pelo chão.
Adorava este caminho.
Em menos de dez minutos, chegava a sua escola e se sentava num banco que parecia reservado para ela, onde podia ver todo mundo chegando (pricipalmente o menino que a deixava sem ar). Mas ninguém a conseguia ver, por ficar escondida perto de uma grutinha, com imagem de santa.
Era aplicada e podia-se perceber sua inabilidade de fazer e, principalmente, manter amigos.
Nunca comia na escola, morria de vergonha de pensar em mastigar na frente de seus colegas.
E mesmo não abrindo a boca, a não ser na hora em que os professores perguntavam algo, ela voltava sorrindo, pelo mesmo caminho sombreado da manhã.
Chegava em casa, almoçava com sua mãe, que também nunca dizia nada.
Voltava pro quarto e tentava de novo se tocar, desta vez pensando no menino do colégio.
E desistia, mais uma vez, por pensar em como o menino iria rir e caçoar do frágil e pequeno corpo dela, ao vê-lo nu.
Sem graça, iria assistir seus animes, que hoje eram eróticos.
Mas nem aquilo a excitava, pois não se punha nunca no lugar de uma mulher desejada.
Ao anoitecer, preferia ir dormir.
Sonhar com seu principezinho encantado que nunca a olhou.
Tentava dormir sem roupa, mas ao esbarrar em qualquer parte nua de seu corpo, se sentia constrangida e vestia sua camisola amarelinha.
Sonhava com um abismo e gostava de sentir a sensação de cair, em sonhos.

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