quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Corações, Caixas e Trogloditas

Era um dia frio, a chuva caia e eu estava sentado na escada do colégio escrevendo aquele velho diário que me ajudava a ser eu mesmo.
E naqueles dias, naquelas últimas 10 ou 20 páginas, só haviam palavras sobre ela.
Sobre o vento que batia nos seus cabelos pretos e os fazia voar sobre seu rosto, escondendo seu olhar e alisando seus lábios.
Sobre o modo como a farda lhe caia perfeitamente bem, como que um tecido de seda.
Sobre como o ar a sua volta parecia bem mais perfumado.
No caderno, também haviam desenhos.
Corações e caixas.
Nas caixas eu me encontrava, sempre com medo do que podia encontrar fora delas.
Nos corações, apenas ela.
Enquanto escrevia e desenhava. A olhava a alguns metros de distância.
A via feliz, sorridente. Rodeada de amigas, tão ou mais bonitas que ela.
E via também vários pretendentes. Que, diferente de mim, tinham mais coragem.
E iriam falar com ela, cara a cara.
Por um momento eu quis ser como eles.
Mas sempre acabava da mesma forma.
Ela lhes dava a chance e eles lhe davam lágrimas em troca.
Eu não conseguia entender porque ela não aprendia.
Porque ela não examinava e percebia que meninos corajosos demais, fortes demais, bonitos demais ou perfeitos demais, não se preocupavam com ela e sim com eles próprios?
Porque ela se deixava ser acalentada por outro quase igual ao que acabara de magoá-la?
Eu não entendia e passei anos a estudar isso.
Resolvi um dia perguntar.
Sim, eu a amava, mas não iria me declarar, iria simplesmente perguntar o porque ela gostava de sofrer sempre os mesmos pesares, só para estar com um deles.
Juntei todo o resto da minha coragem e fui, firme e determinado.
Ao chegar nela ela olha nos meus óculos e me dá um sorriso amarelo, olha para o lado e acena com o braço.
Um daqueles trogloditas, o atual, vem e sem falar nada me dá um soco no rosto.
Depois a agarra pela cintura e olhando com desprezo para o chão, onde eu me encontrava, me diz apenas:
- Tá maluco idiota? Vai querer falar com a minha menina?
Olha pra ela e lhe dá um beijo, aperta ela com força na cintura e saem caçoando de mim.
Apanho meus óculos quebrados, ponho no rosto e levanto, entendendo um pouco mais sobre aquela relação doentia.
Ela precisava se sentir protegida.
Ele precisava marcar seu território.
Enquanto eu só precisava de amor.

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