sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Casa Branca Perfumada e o Mar (Ou Alegoria para confiança II)

Ele sorria pela manhã, com a barba sempre bem feita, cabelos longos e encaracolados, soltos e bem lavados.
Ele vestia boas roupas, boas marcas e usava os melhores perfumes, com aromas que duravam até à tardinha, na hora que ele voltava do trabalho.
Eu lembro dele escovando os dentes, olhando fixamente e confiantemente naquele espelhinho que abria e ficava embutido na parede, enquanto eu ainda andava pela casa, sonso de sono, sentindo seu perfume e o cheirinho do café que vinha da cozinha.
Ele não seguia nenhum ritual, nem acreditava em deus, ao menos não tanto e nem perdia seu tempo entoando cânticos de proteção, naquela época nem ele, nem eu precisavámos de mais proteção que aquela casa branca.
Ele mostrava confiança, seu olhar parecia sempre dizer para seguir em frente.
E eu sempre tinha muita vontade de abraçar ele.
Ele me segurava pela cintura e me levantava bem alto, na altura do seu olhar e me olhava fixamente nos olhos, passando sua sabedoria de uma barba (que fazia falta) apenas pelo olhar.
Um dia, ele me levou pra praia, com todos os primos.
Ele me levava pela mão e ao chegar no mar, me pôs em seus ombros, foi andando como se seu corpo não estivesse imerso. Em seus braços, seguravam os outros meninos e meninas que eram puxados, mar a dentro.
Chegamos num arrecife e ele me pôs lá em cima. Era alto, um pouco mais alto de que a cabeça dele (que era a única parte de seu corpo que continuava para fora d'água).
Os outros meninos e meninas subiram escalando.
Só havia ele mesmo na água em baixo e ele foi pedindo pra cada um pular.
Me deixou por último.
Olhou no meu olho e fez um gesto com os braços abertos me chamando como para um abraço.
Seu rosto não era tão confiante naquele dia.
Parecia que esperava e sentia tudo que poderia vir a acontecer.
Parecia entender que tudo mudaria e aos poucos ficaria cada vez mais difícil acreditar nas possibilidades, acreditar na incerteza, na falta de explicações, no não-seguro, no liberto.
Ele me via como uma insegurança. Não podia controlar, e mesmo assim queria que eu pulasse.
Pulei e vi as mãos dele cercando e seguindo minha cintura no ar.
Estava feliz, ele iria me segurar e tudo ia acabar bem, como numa outra manhã qualquer.
Mas me enganei, ele apenas acompanhou minha queda direto na água salgada do mar, com os braços por perto, mas sem tocar em mim.
Fiquei submerso. Senti o frio, o gelado, o sal da água.
Me puxou e atrás daquela cortininha de água que caia sobre meus olhos, vi os olhos dele, sorrindo. Sorriso de orgulho, orgulho de poder tirar de mim a felicidade de não esperar nada.
E O gosto salgado me vêm a boca toda vez que penso em confiança. Ou no passado.

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